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Onde o racismo estrutural e o cinema se encontram

Por Júlia Siqueira e Lucy Matos


Crédito: Lucy Matos
O que para muitos seria um simples "mi mi mi", para muitas mulheres o mercado de trabalho é uma luta diária pela busca de espaço e reconhecimento de sua voz.  Esse cenário machista que transforma as atividades do cotidiano em sofrimento, humilhação e discriminação se agrava quando falamos de mulheres negras. Fatos que são constatados em dados que tratam do mercado de trabalho, de desigualdade e violência ou na representatividade política e revelam uma sociedade ainda extremamente machista e racista. Assim, como um meio de debate, o evento "O protagonismo da mulher negra no cinema", mostra que mesmo na arte, não solucionamos os problemas estruturais da sociedade.

Realizado no dia 28 de novembro, no auditório do edifício RW, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, alunas do Projeto Integrador  "Mulheres em cena: mulheres no cinema” ministrada pela professora Drª Mirtes de Moraes, reuniram estudantes e convidados para o evento, com a intenção de promover uma reflexão com base na arte e nas políticas públicas, sobre o racismo estrutural, que para muitos é invisível, mas está mais do que presente na sociedade em que vivemos, muitas vezes na forma de um racismo velado.

A roda de conversa mediada pela aluna do quinto semestre de jornalismo Rebeca Gomes, contou com a presença da professora Antonia Aparecida Quintão, coordenadora de cursos de Educação Continuada do Centro de Ciências Sociais e aplicadas no Mackenzie, membro do Instituto da Mulher Negra (Geledés) e autora do sexto capítulo de "Africa in Brazil: Slavery, Integration, Exclusion".

Compondo a mesa, a atriz, produtora e roteirista Maria Izabel Neiva compartilhou de sua experiência como mulher, mãe e profissional do audiovisual. Izabel é formada em artes cênicas pela Escola Superior Célia Helena e licenciada em Educação artística com habilitação em teatro pela Faculdade Paulista de Artes. Com pós graduação em cinema pela Lafilm Institute, já dirigiu curtas como "Era uma vez", selecionado durante o ano de 2019 para o 3rd Indian World Film Festival, Festival Internacional de Cinema Take Único e o Festival FNNH.
 
Compondo a mesa da esquerda para a direita: Antonia Quintão, Izabel Neiva, Rebeca Gomes e Mirtes de Morais. Crédito: Priscila Palermo

Estamos vivendo a Década Internacional de Afrodescendentes, promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas), por meio de sua Resolução n. 68/237, de 23 de dezembro de 2013. A Década Internacional teve início em 1º de janeiro de 2015 e vai até 31 de dezembro de 2024, apresentando como objetivo fortalecer programas de combate ao racismo e a xenofobia e promover o respeito, proteção e a garantia de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de afrodescendentes, presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Os três pilares da Década: reconhecimento, justiça e desenvolvimento, ressaltados pela professora Antonia Aparecida Quintão, são fatores essenciais na luta das mulheres negras diante aos crescentes movimentos de intolerância e discursos racistas na sociedade.

A mulher negra que tem sido historicamente silenciada, não está calada, e sua voz ecoa em movimentos como a Marcha das Mulheres Negras promovida pelo Geledés, levando a rua suas reivindicações, incluindo a luta pelo fim do feminicídio, do racismo e sexismo na mídia.

De acordo com dados do “Informe Diversidade de Gênero e Raça nos Lançamentos Brasileiros de 2016”, apresentados pela Comissão de Gênero, Raça e Diversidade da ANCINE (Agência Nacional do Cinema),  97,2% dos 142 filmes lançados no ano foram dirigidos por pessoas brancas. As mulheres comandaram 19,7% dos filmes e os homens negros apenas 2,1%. Mas nenhum filme em 2016 foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra.

O mundo é mostrado da perspectiva do homem branco. A representação da mulher negra na mídia e no cinema, privilegia o olhar masculino e cria estereótipos, desde a questão estética, com a representação física até o lugar ocupado pela mulher e o seu comportamento.

Crédito: Priscila Palermo
Narrativas que apresentam a mulher negra como objeto de desejo, como a doméstica ou a mulher da comunidade cercada pela violência e pobreza, apenas reforçam esses estereótipos. Mesmo quando as grandes mídias apostam no “fardamento”, representando mulheres negras em cargos de poder e prestígio, cometem o grande erro de não dar profundidade aos personagens.

Como superar uma opressão histórica que abafa a voz dessas mulheres? Como gerar identificação? Como quebrar os estigmas sociais de que mulheres, sobretudo negras, não ocupam determinado cargo ou lugar na sociedade?

Diante dessa realidade, foi criado pela ANCINE o Grupo de Trabalho (GT) sobre Diversidade de Gênero e Étnico-racial no Audiovisual, para a formulação de uma política consistente de promoção da igualdade. A iniciativa procura estimular a formação de novos cineastas, e dar espaço para os que já estão no mercado e buscam por oportunidades, para que possam contribuir com o aumento do protagonismo e visibilidade da diversidade cultural.

Mas ainda assim é um grande desafio produzir e estar na indústria audiovisual, segundo Izabel Neiva ainda há muita resistência nesse mercado constituído majoritariamente por homens. A presença de mulheres negras, na frente e atrás das câmeras, se faz necessária, principalmente diante de discursos que desqualificam e tentam minimizam a luta negra. Apenas com um acesso plural e inclusivo a todos os setores de criação a indústria audiovisual será capaz de produções que apresentem diferentes perspectivas e olhares, gerando uma identificação e relação mais real com o público.

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