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Resenha: A negligência dos sonhos das mulheres em “A Esposa”

Quando falamos de mulheres no cinema, abrimos espaço para discussões dentro e fora das câmeras. Nesse sentido, “A Esposa”, filme de 2018, é um prato cheio para uma análise sobre variadas questões no cenário ficcional e na vida real.
Baseado no livro de mesmo nome escrito por Meg Wolitzer, “A Esposa” conta a história de Joan Castleman, (Glenn Close), esposa do escritor Joe Castleman (Jonathan Pryce) que está prestes a receber o Prêmio Nobel de literatura em Estocolmo (Suécia). Durante a viagem através de uma mistura entre flashbacks e momentos presentes constrói-se uma narrativa reflexiva sobre o relacionamento do casal incluindo os sacrifícios e concessões feitos numa relação e principalmente as noções de poder dentro de uma união, quanto ao peso de ser uma mulher ao lado de qualquer figura masculina.
           Na conjuntura inicial é um tanto difícil imaginar como funciona o protagonismo de Joan dentro de um quadro em que todos os holofotes são construídos ao redor do seu marido e ela é colocada como “aquela que não escreve na família”.  Enquanto Joe recebe a atenção de homens e mulheres, escritores, repórteres e fotógrafos, Joan fica no fundo do quadro, numa observação lenta e dolorosa. É através dessas expressões e de diálogos cruelmente curtos, que se torna possível enxergar que o verdadeiro papel principal do filme desponta sobre a figura da esposa.
           “Por trás de todo grande homem existe uma grande mulher”. Essa é a frase perfeita para descrever com clareza o grande engano e a grande farsa da opressão masculina disfarçada de exaltação feminina contida nas entrelinhas do filme. As amarguras da personagem de Close são sutilmente colocadas através de sorrisos amarelos, cumprimentos recatados e poucas palavras. Um reflexo de uma personagem que sacrificou sua própria ambição, seu talento, suas vontades e objetivos para viver em meio aos devaneios de sucesso do próprio marido em busca de seu reconhecimento. Os flashbacks trazem de maneira clara o saudosismo de um passado cheio de esperanças derrubadas pela maldade do pensamento coletivo e da dificuldade de ser uma mulher.
           Os conflitos internos de Joan sobre manter sua relação falsamente perfeita ou viver sua vida através de seus próprios olhos acontecem concomitantemente com demonstrações de afeto muito particulares por parte de Joe, que usa seus discursos para vangloriar sua mulher em todos os lugares. Uma falsa compensação para as situações de isolamento, esquecimento, tristeza e traições nas quais ele a insere.
           Enquanto a verdadeira história acontece por trás de uma circunstância de ilusões bancadas por Joan, é também a atriz que a interpreta que sustenta um filme morno, sem muitas reviravoltas, cheio de clichês e resultados previsíveis. O roteiro de Jane Anderson e a direção de Björn Runge não fazem grandes apostas e experimentações mantendo um ritmo lento e cansativo. No entanto, é através de uma narrativa arrastada que Glenn Close aproveita para brilhar e transmitir através de um simples olhar uma atmosfera de desconforto que ilustra os ressentimentos de negligenciar e virar uma espectadora de sua própria vida.
           Ganhadora do Globo de Ouro e indicada ao Oscar de melhor atriz em 2019, Close aproveita cada centímetro de foco nas câmeras para criar uma personagem com medos, sonhos e aflições reais em um filme pouco atraente, tornando os demais personagens uma mera peça de um jogo que é comandado e estrelado inteiramente por ela.
           “Eu construo reis”. Joan Castleman e Glenn Close, uma na ficção e uma na vida real dão sentido ao peso de sustentar uma produção apenas com seu talento, definindo a importância de falar sobre mulheres oprimidas e representar a sua luta em cena.


Giovana Faillace

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