Laysa Zanetti, redatora e repórter do Adoro Cinema, falou um pouco sobre a série e seu cancelamento:
Num cenário atual , qual a importância de uma série que aborda tantos assuntos da atualidade e tão presentes na sociedade como One Day at the Time?
O grande diferencial de ODAAT não é exatamente o fato de tratar assuntos pertinentes de se debater hoje, mas sim o fato de fazer isso de forma muito natural e muito acessível. É uma sitcom, um formato muito tradicional e conhecido do público, então isso já a torna imediatamente muito amigável. Então ela acaba trazendo os debates que propõe sobre LGBT, xenofobia, imigração, machismo e afins de uma forma muito orgânica. Ao mesmo tempo que é uma série simples (e isso não é algo ruim, pelo contrário, porque isso determina que ela visa um público mais tradicional), é uma série que não trata a audiência de forma condescendente, como se estivesse ali para educar. Ela mostra que existem famílias como aquela e pronto, que isso é normal. Eles não passam o dia inteiro sofrendo ou pensando no quanto existência deles (enquanto latinos, ou no caso da Elena como lésbica) os afeta em uma sociedade tradicionalista, mas a série mostra como afeta e como eles lidam com isso. Pra mim, essa naturalidade é a chave.
Com a sua experiência escrevendo sobre entretenimento, o que você vê de pontos positivos no roteiro da série?
O que faz o roteiro de ODAAT se destacar é algo muito simples, mas que não se vê com a frequência necessária na TV, que é o respeito ao lugar de fala. O time de roteiristas, que é/foi encabeçado por Glória Calderón Kellet e Mike Royce, é formado por pessoas que conhecem a realidade da família Alvarez porque são pessoas que compartilham daquela história, então isso faz com que a forma como os personagens lidam com seus problemas seja algo que o público identifica como algo real, porque quem escreveu entende o que é passar por aquilo.
One Day at a Time é um remake da série de mesmo nome, feita em 1975. Quais as principais diferenças entre as versões?
O remake atualiza bastante a história, apesar de a premissa ser a mesma. Mas na primeira, por exemplo, eram apenas duas gerações vivendo sob o mesmo teto, nessa são três. O principal conflito da original era a mãe solteira cuidando das filhas após a separação, enquanto essa adiciona a questão de identidade latina. E tem o Schneider, que era bem era bem mais invasivo na original do que na segunda versão.
A primeira versão da série rendeu nove temporadas, entre 1975 e 1984, enquanto o remake rendeu somente até a terceira. Na sua opinião, o que fez o remake render menos temporadas do que a primeira?
A Netflix alegou que o cancelamento foi por baixa audiência, e isso é algo em que eu acredito apesar de eles não divulgarem os números. É uma pena, porque o público da série era (e ainda é) muito fiel e apaixonado, assim como a crítica especializada. Tinha muito material pra continuar, esse cancelamento foi uma das decisões mais questionáveis da Netflix, principalmente porque surgiram outras emissoras querendo resgatar a série e a Netflix basicamente tá impedindo por causa de uma cláusula contratual.
Como os personagens, em seus defeitos, qualidades e ações, conseguem dialogar com a vida real?
Eles dialogam exatamente sendo reais. Eu escrevi isso em um texto, então vou repetir aqui: "É a história de uma família que, apesar de vários problemas e desentendimentos geracionais e ideológicos, permanece junta. É a história de uma família que, mesmo não se entendendo todas as vezes, consegue ver humor nas pequenas coisas. Em tempos em que somos bombardeados por tragédias e levados a nos sentir culpados por querer consumir cultura pop à beira do apocalipse, esta comédia nada na contracorrente e faz exatamente o que o hopepunk quer que se faça: dá energias para que possamos continuar querendo, um dia, ter uma realidade um pouco menos injusta."
Uma das maiores surpresas foi o cancelamento da série após sua terceira temporada. Na sua opinião, por que isso aconteceu? Isso poderia ser impedido de alguma forma?
Pouco antes do cancelamento, a co-criadora chegou a avisar no Twitter que havia o risco de a série não ser renovada, e pediu para as pessoas divulgarem porque a Netflix contabiliza os acessos nas três primeiras semanas depois da divulgação de uma nova temporada. É claro que o público pode sempre levantar a voz, encher as redes sociais com pedidos de renovação ou algo do tipo (e isso já deu certo), mas a Netflix tem um sério problema de divulgação do próprio conteúdo. Muitas pessoas sequer sabiam que a série existia até o momento em que o pessoal começou a se revoltar com o cancelamento, o que indica o quão o algoritmo da plataforma às vezes é falho em viralizar o próprio conteúdo. A rede CBS tentou resgatar ODAAT e acho que ainda está tentando, mas como já citei, a Netflix tem dificultado o processo. Não tem muito o que o público poderia fazer pra impedir o cancelamento porque é uma decisão financeira, mas as demonstrações de carinho mostraram o quanto é uma série que vai fazer falta.

Para você, a série ilustra algum ideal de masculinidade tóxica ou de um homem ideal em alguma de suas personagens?
Eu gosto muito de como a masculinidade tóxica é tratada com o Schneider, porque ele é um personagem completamente privilegiado e invasivo, mas ele é bastante sem noção em relação à postura que tem. Seria muito fácil a série deixá-lo nessa posição e tratar o personagem como coitadinho, mas ele é responsabilizado e questionado pelas suas falas problemáticas. Ao mesmo tempo, a série também questiona qual é o "papel" da mulher pra desconstruir essa masculinidade tóxica e mostra que é obrigação do homem fazer o mínimo de esforço pra entender o seu lugar social também sem precisar de babá.
Beatriz Cruz
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